Planeta Carnaval - Maurício de Sousa

Planeta Carnaval

Era uma vez, um mundo onde todo dia era carnaval.

Menos três. Porque ninguém é de ferro.

Nesses três dias os bancos abriam, as escolas funcionavam, as fábricas abriam suas portas aos trabalhadores, os templos recebiam os fiéis e o governo corria para cobrar impostos.

Eram três dias muito tumultuados. Mas a população suportava todo aquele transtorno com a paciência de quem sabia que, dali a pouco, cairia na dança, na folia, na descontração, de novo.

E passados os três dias, recomeçava a grande festa. Que arrastava todos para as ruas, para os blocos, escolas de samba, bailes de salão e mais o que se inventasse para brincar.

Quando a energia dos foliões acabava, qualquer banco de jardim, gramado, areia de praia ou canto na rua servia para um momento de sono reparador, para em seguida, acordarem e cairem no samba, de novo.

Mas não pense que niguém trabalhava.

Havia muito trabalho, sim.

Como vocês acham que nasciam aqueles enormes, monumentais e lindos carros alegóricos usados nos desfiles? Eram resultado do trabalho de desenhistas, arquitetos, engenheiros, modelistas, eletricistas, técnicos em computação. E as fantasias luxuosas, fantásticas? Vinham da imaginação e arte de modistas, costureiras, aderecistas. O som das grandes apresentações era obra de técnicos que utilizavam o que mais adiantado havia. A iluminação feérica era um caso à parte, para que a população não distinguisse a diferença entre o dia e a noite. E a comunicação através de jornais, revistas, tv, internet, era completa: a população tinha todas as informações sobre como estava correndo o carnaval em todos os cantos do planeta. Fora os serviços de alimentação, funcionando vinte e quatro horas, atendimento médico e hospitalar impecáveis e orientação sobre exercícios físicos. Nas áreas de concentração dos foliões, antes dos grandes desfiles, grupos de educadores reuniam “classes” de crianças e adultos para aulas sobre os mais variados temas. Num ambiente descontraído, interativo, onde o interesse de todos resultava numa notável elevação de nível cultural.

Antes dos grandes desfiles sustentados pelo ritmo de sambas e marchas, os milhões de alto-falantes espalhados pelo planeta ofereciam à população músicas dos mais diversos gêneros, inclusive clássica, para descontrair. As peças clássicas eram as preferidas.

A parte social era uma festa só. Todos se confraternizavam na alegria, nas brincadeiras e na igualdade. O folião era um cidadão universal. Com exceção de um, chamado de Rei Momo. Mas que de rei não tinha nada. Apenas dançava mais do que os outros e pesava um pouco mais, também.

Os feriados, como se pode imaginar, haviam sido abolidos naquele planeta de eterno carnaval. Poderiam atrapalhar o funcionamento de toda a máquina administrativa da grande festa.

Enquanto isso a família, como instituição, se mantinha firme, com pais e filhos brincando juntos, cantando, dançando, armando coreografias e se cuidando para que o carnaval fosse uma festa feliz.

E os jovens, no seu tempo de busca da companhia, tinham toda a energia própria da idade, para procurarem seus pares nas alas que passavam exibindo o samba no pé.

Naturalmente quem soubesse sambar melhor, requebrar com mais graça, era mais disputado. Sem transtornos nem brigas. Porque no próximo bloco haveria de passar outros carnavalescos igualmente bons de samba.

As coisas corriam tão bem, tão impecáveis, com a economia em ordem, as finanças em cima, a felicidade em alta e a qualidade de vida tão evidentes que… começou-se a pensar se uma mudançazinha aqui ou ali não ajudaria a temperar um pouquinho mais a vida. Talvez com tanta falta de problemas, algum tipo de conflito, ausência de desafios, a população estivesse amolecendo, se destemperando.

E uma comissão de foliões resolveu que era hora de uma transformação: o carnaval passaria a ser brincado somente durante três dias: justamente aqueles três onde antes havia tanta confusão, tanta correria. E
durante o resto do ano a tal confusão se dividiria por toda a população. Assim, pensavam os responsáveis pelo plano, o povo daria muito mais valor aos dias de folia.

E assim foi feito.

Num distante planetinha azul, num outro sistema solar, já estava sendo tentada uma experiência semelhante…

Mauricio de Sousa.
20.02.1998






Planeta Carnaval

Era uma vez, um mundo onde todo dia era carnaval.

Menos três. Porque ninguém é de ferro.

Nesses três dias os bancos abriam, as escolas funcionavam, as fábricas abriam suas portas aos trabalhadores, os templos recebiam os fiéis e o governo corria para cobrar impostos.

Eram três dias muito tumultuados. Mas a população suportava todo aquele transtorno com a paciência de quem sabia que, dali a pouco, cairia na dança, na folia, na descontração, de novo.

E passados os três dias, recomeçava a grande festa. Que arrastava todos para as ruas, para os blocos, escolas de samba, bailes de salão e mais o que se inventasse para brincar.

Quando a energia dos foliões acabava, qualquer banco de jardim, gramado, areia de praia ou canto na rua servia para um momento de sono reparador, para em seguida, acordarem e cairem no samba, de novo.

Mas não pense que niguém trabalhava.

Havia muito trabalho, sim.

Como vocês acham que nasciam aqueles enormes, monumentais e lindos carros alegóricos usados nos desfiles? Eram resultado do trabalho de desenhistas, arquitetos, engenheiros, modelistas, eletricistas, técnicos em computação. E as fantasias luxuosas, fantásticas? Vinham da imaginação e arte de modistas, costureiras, aderecistas. O som das grandes apresentações era obra de técnicos que utilizavam o que mais adiantado havia. A iluminação feérica era um caso à parte, para que a população não distinguisse a diferença entre o dia e a noite. E a comunicação através de jornais, revistas, tv, internet, era completa: a população tinha todas as informações sobre como estava correndo o carnaval em todos os cantos do planeta. Fora os serviços de alimentação, funcionando vinte e quatro horas, atendimento médico e hospitalar impecáveis e orientação sobre exercícios físicos. Nas áreas de concentração dos foliões, antes dos grandes desfiles, grupos de educadores reuniam “classes” de crianças e adultos para aulas sobre os mais variados temas. Num ambiente descontraído, interativo, onde o interesse de todos resultava numa notável elevação de nível cultural.

Antes dos grandes desfiles sustentados pelo ritmo de sambas e marchas, os milhões de alto-falantes espalhados pelo planeta ofereciam à população músicas dos mais diversos gêneros, inclusive clássica, para descontrair. As peças clássicas eram as preferidas.

A parte social era uma festa só. Todos se confraternizavam na alegria, nas brincadeiras e na igualdade. O folião era um cidadão universal. Com exceção de um, chamado de Rei Momo. Mas que de rei não tinha nada. Apenas dançava mais do que os outros e pesava um pouco mais, também.

Os feriados, como se pode imaginar, haviam sido abolidos naquele planeta de eterno carnaval. Poderiam atrapalhar o funcionamento de toda a máquina administrativa da grande festa.

Enquanto isso a família, como instituição, se mantinha firme, com pais e filhos brincando juntos, cantando, dançando, armando coreografias e se cuidando para que o carnaval fosse uma festa feliz.

E os jovens, no seu tempo de busca da companhia, tinham toda a energia própria da idade, para procurarem seus pares nas alas que passavam exibindo o samba no pé.

Naturalmente quem soubesse sambar melhor, requebrar com mais graça, era mais disputado. Sem transtornos nem brigas. Porque no próximo bloco haveria de passar outros carnavalescos igualmente bons de samba.

As coisas corriam tão bem, tão impecáveis, com a economia em ordem, as finanças em cima, a felicidade em alta e a qualidade de vida tão evidentes que… começou-se a pensar se uma mudançazinha aqui ou ali não ajudaria a temperar um pouquinho mais a vida. Talvez com tanta falta de problemas, algum tipo de conflito, ausência de desafios, a população estivesse amolecendo, se destemperando.

E uma comissão de foliões resolveu que era hora de uma transformação: o carnaval passaria a ser brincado somente durante três dias: justamente aqueles três onde antes havia tanta confusão, tanta correria. E
durante o resto do ano a tal confusão se dividiria por toda a população. Assim, pensavam os responsáveis pelo plano, o povo daria muito mais valor aos dias de folia.

E assim foi feito.

Num distante planetinha azul, num outro sistema solar, já estava sendo tentada uma experiência semelhante…

Mauricio de Sousa.
20.02.1998







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