Concepções de alfabetização e letramento – Com relação aos aspectos
da apropriação da leitura e escrita pelas crianças, dois conceitos são
frequentemente discutidos nas abordagens relacionadas a esta
apropriação: a alfabetização e o letramento.
Concepções de alfabetização e letramento
Na trajetória histórica do termo alfabetização, até os anos 80, os
estudos e as pesquisas consideravam que para a criança aprender, ela
dependeria apenas de estímulos externos que a levariam a dominar o
sistema alfabético para, depois, ser capaz de ler e escrever.
Dois métodos emergem desta concepção e caracterizam a alfabetização
até os anos 80: o método baseado no princípio da síntese, no qual a
alfabetização deve partir das unidades menores da língua – os fonemas,
as sílabas, e logo a seguir unidades maiores – a palavra, a frase, o
texto (método fônico, método silábico) e o método pelo princípio da
análise, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades maiores
e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às
unidades menores (método da palavra, método da sentenciar, método
global).
Estes métodos não consideravam o processo construtivo das crianças.
De acordo com Soares (2004), estas duas formas metodológicas passaram a
sofrer críticas severas nos anos 80, quando a perspectiva psicogenética
da aprendizagem da língua escrita começa a ser divulgada no Brasil pela
obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro (1985), sob a
denominação de construtivismo.
A partir dessa abordagem, ocorre uma mudança de pensamento em busca
de novas concepções e metodologias eficazes para o processo de
aprendizagem, ao eliminar a distinção entre aprendizagem do sistema de
escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita. Essa nova abordagem
do fenômeno da alfabetização permite identificar e explicar o processo
por meio do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um
sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos, ou seja,
o processo por meio do qual a criança torna-se alfabética.Além disso, sugere as condições em que mais adequadamente se
desenvolva esse processo, revelando o papel fundamental de uma interação
intensa e diversificada da criança com práticas e materiais reais de
leitura e escrita, a fim de que ocorra o processo de conceptualização e
entendimento da língua escrita. Entretanto, é necessário fazer a
distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas
de leitura e de escrita porque tanto em uma como noutra estão envolvidas
diferentes dimensões da capacidade metalinguística: reflexão, análise e
controle intencional; consciência fonológica, conhecimento das letras,
consciência grafo-fonêmica e pragmática; mediação do adulto ou de outra
criança mais velha que fornecem a ela informações ou que provocam sua
reflexão.
Enfim, é preciso ter o domínio do sistema de escrita (conceito e
reconhecimento das relações letra-som) para aprender a ler e escrever. A
respeito da aquisição da linguagem escrita pela criança, Ferreiro, em
colaboração com Teberosky (1985), desenvolveu pesquisas no México
chegando à conclusão de que quando a criança ingressa na escola já
possuí competência linguística, geralmente não considerada neste meio:
[…] atualmente sabemos que a criança que chega à escola tem um
notável conhecimento de sua Língua Materna, um saber linguístico que
utiliza ‘sem saber’ (inconscientemente) em seus atos de comunicação
cotidianos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 24).
Para estas pesquisadoras, este processo começa muito cedo, antes da
entrada da criança na escola, e segue uma linha de evolução regular que
ficou conhecida como Psicogênese da língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY,
1985).
Por meio deste estudo, os autores evidenciaram e explicaram o caminho
percorrido pelas crianças para compreender o valor e as funções da
escrita. Estes estudos contribuíram significativamente para a superação
da visão da escrita alfabética concebida como transcrição fonética do
idioma que se baseava na ideia de que a forma como a criança se apropria
da linguagem oral servia como modelo para explicar a aquisição da
linguagem escrita e era esse modelo que sustentava a maioria dos métodos
usados para alfabetizar as crianças.
[…] muitas das práticas do ensino da língua escrita são tributárias
do que se sabia da aquisição da linguagem oral; a progressão clássica
que consiste em começar pelas vogais, seguidas de consoantes labiais com
vogais, e a partir daí chegar à formação das primeiras palavras por
duplicação dessas sílabas mamá, papá, e , quando se trata de orações,
começar por orações declarativas simples, é uma série que reproduz
bastante bem a série de aquisição da língua oral, tal como ela se
apresenta vista do “lado de fora” (isto é, vista desde as condutas
observáveis e não desde o processo que engendra essas condutas
observáveis). Implicitamente, julgava-se ser necessário passar por essas
mesmas etapas quando se trata de aprender a língua escrita, como se
esta aprendizagem fosse uma aprendizagem da fala. (FERREIRO; TEBEROSKY,
1985, p. 23-24)
Contudo, para Ferreiro e Teberosky (1985), além da relação da escrita
com o código oral, há uma relação da escrita com o mundo real. A
escrita, nessa concepção, é um sistema simbólico de representação, e não
um código de transcrição. Esta visão rompe com a concepção de um
processo de aquisição da escrita apenas técnico para considerá-lo como
um processo conceitual, no qual a criança é um sujeito ativo e com
competência linguística. Concepções de alfabetização e letramento
Baseado nestas ideias, o construtivismo revelou processos de
compreensão da escrita pela criança, que foram identificados a partir da
análise de escritas espontâneas. Esses aspectos evidenciavam que a
criança construía hipóteses sobre o funcionamento da língua escrita e,
portanto, se mostrava imprescindível conhecer como ocorria esse processo
de elaboração e de apropriação acerca do sistema de escrita alfabético.
De acordo com Soares (2004), o foco no processo de construção
alfabético da língua escrita pela criança da ênfase na importância de
sua interação com práticas de leitura e de escrita como meio para
provocar e motivar o processo, na prática escolar da aprendizagem
inicial da língua escrita, o ensino sistemático das relações entre a
fala e a escrita de que se ocupa a alfabetização.
Para Soares (2004), houve grandes avanços teóricos sobre a aquisição
da escrita que trouxeram mudanças significativas no modo de conceber a
alfabetização. Neste sentido, atualmente, o que parece caracterizar a
concepção de alfabetização é que esta não é mais compreendida como um
processo que envolve apenas aprender a ler e a escrever enquanto
habilidades de codificação e decodificação, mas implica também um
processo de apropriação da linguagem escrita como prática social,
respeitando o vocabulário que a criança já traz para dentro da escola.
Entretanto, a apropriação dos conceitos de alfabetização e letramento
que está no cerne dessa discussão, pelos professores alfabetizadores,
ainda parece oscilar entre a noção de que o processo de apropriar-se da
linguagem escrita signifique a mera aquisição de um sistema de
codificação, para uns, e a apropriação de um sistema complexo de
representação que implica inclusive a capacidade de ler e compreender o
que foi lido, para outros. Com relação à noção de que o processo de
apropriação da linguagem escrita signifique a mera aquisição de um
sistema de codificação.
Smolka (1993) ressalta que as práticas docentes que consideram o
professor como detentor do saber, com a função de ensinar a linguagem
escrita, reduz o processo de aquisição desta linguagem ao ensino de uma
técnica e a própria escrita é reduzida e apresentada como uma técnica.
Para ela, as crianças que não conseguem aprender a ler e escrever são
resultado deste equívoco, que desconsidera a participação da criança na
construção deste conhecimento em função da necessidade de aprender o
saber da escola.
Segundo Smolka (1993), o processo de alfabetização nos moldes
tradicionais, nos quais a construção e aquisição da leitura e da escrita
pela criança, acontece por meio de métodos convencionais, como a
silabação e a palavração, por exemplo, é algo extremamente preocupante.
Deste modo, a autora questiona os métodos tradicionais de alfabetização
que limitam a compreensão da aquisição da leitura e da escrita como um
ensino mecânico, sem significação real para as crianças. Segundo a
autora, nessa concepção, as crianças são cobradas pelo que não entendem e
são levadas a buscar estratégias para sobreviverem nesse sistema, no
qual poucas crianças conseguem desenvolver naturalmente este
entendimento.
O processo de elaboração mental da criança na construção do
conhecimento sobre a escrita, que inicialmente passa pela linguagem
falada, fica terrivelmente dificultado porque a escrita apresentada na
escola é completamente distanciada da fala das crianças, e, na maioria
das vezes, é o que não se pensa, o que não se fala. Ou seja, a
“defasagem” não é apenas uma contingência da forma escrita de linguagem,
mas é também produto das condições de ensino. (SMOLKA, 1993, p. 60).
Para Smolka (1993), a escrita é considerada mais que um instrumento
técnico ou uma atividade mecânica; trata-se de um momento de interação e
interlocução entre os sujeitos envolvidos neste processo. O processo
inicial de leitura que passa pela escrita, o trabalho inicial da escrita
que passa pela fala, revelam fragmentos e momentos do “discurso
interior”, da “dialogia interna”, das crianças, nessa forma de interação
verbal. O papel do “outro”, do mediador, nessa interação começa a se
delinear (SMOLKA, 1993, p. 62).
De acordo com Soares (1999), ao mesmo tempo em que a criança
apropria-se da escrita como forma de interlocução, como atividade
discursiva, ela deve também ser conduzida a várias aprendizagens, ou
seja, ela precisa aprender a distinguir o texto oral do texto escrito, a
estruturar adequadamente seu texto escrito, a controlar as
possibilidades de apreensão do sentido do texto pelo pretendido leitor,
apropriar-se dos recursos de coesão próprios do texto escrito, aprender
as convenções de organização do texto na página.
É necessário considerar as questões relativas à aquisição do sistema
de escrita e as questões relativas à utilização desse sistema para a
interação social, isto é, o desenvolvimento das habilidades textuais.
Para Soares (1999), o problema enfrentado com relação à apropriação da
leitura e da escrita é que, no contexto escolar, as questões da relação
letra e som, ou das relações entre fala e escrita em consonância com o
desenvolvimento das habilidades textuais, são sempre negligenciadas.
Para Smolka (1993), o problema é a distância entre ensinar a técnica
da escrita e considerar as funções sociais da língua escrita. Para nós, a
questão principal é compreender as crianças como um sujeito de direito,
reconhecendo-as como produtoras de cultura. Isto implica compreender a
aprendizagem da leitura e da escrita como práticas sociais que devem ser
integradas às demais práticas sociais que se desenvolvem na infância. A
necessidade de ampliar o conceito de alfabetização, para que a
aprendizagem da leitura deixe de ser vista apenas como reconhecimento de
letras, sílabas e palavras, e a escrita apenas como um código de
transcrição da fala.
As pesquisas atuais sobre a apropriação da linguagem escrita pelas
crianças e como ocorre este processo (Baptista, 2010; Baptista, 2013;
Ferreiro, 1985; Soares, 2009; Kramer, 2006) evidenciam que existe uma
forte relação entre esta apropriação e o próprio desenvolvimento
Infantil.
Estes estudos permitem concluir que o processo de apropriação deve
iniciar-se desde os primeiros anos de vida. Isto porque a criança, desde
o seu nascimento, é um sujeito social que produz cultura e está
inserida nela, uma cultura na qual a escrita está presente e determina,
em grande medida, a dinâmica da sociedade. A escrita está presente na
dinâmica da sociedade, assumindo diferentes funções, das quais as
crianças, mesmo sem a intencionalidade do adulto, acabam participando.
Estas funções são adquiridas pelas crianças, de acordo com Ferreiro
(1993), por meio da sua participação em atos sociais, nos quais a língua
escrita cumpre funções precisas. Considerando esta perspectiva, Smolka
(1993) ressalta que a alfabetização, da forma como preconizou Vygotsky,
pode ser compreendida como atividade discursiva interativa, instauradora
e constituinte do conhecimento na e pela escrita. Para Smolka (1993), a
alfabetização do ponto de vista da psicologia Vygotskiana pode englobar
a questão da aquisição da linguagem oral e escrita enquanto processo de
interação social.
Para Smolka (1993), a criança aprende de forma mais eficaz quando se
envolve em atividades coletivas e lúdicas, que tenham significado para
ela e quando orientada por alguém que tenha competência, ou seja,
enfatizando o papel crucial do educador mediador. Isto porque o nosso
comportamento é mediado por signos, respondendo a significados que
atribuímos a situações cuja interpretação depende de um contexto
cultural.
Concepções de alfabetização e letramento – Com relação aos aspectos
da apropriação da leitura e escrita pelas crianças, dois conceitos são
frequentemente discutidos nas abordagens relacionadas a esta
apropriação: a alfabetização e o letramento.
Concepções de alfabetização e letramento
Na trajetória histórica do termo alfabetização, até os anos 80, os
estudos e as pesquisas consideravam que para a criança aprender, ela
dependeria apenas de estímulos externos que a levariam a dominar o
sistema alfabético para, depois, ser capaz de ler e escrever.
Dois métodos emergem desta concepção e caracterizam a alfabetização
até os anos 80: o método baseado no princípio da síntese, no qual a
alfabetização deve partir das unidades menores da língua – os fonemas,
as sílabas, e logo a seguir unidades maiores – a palavra, a frase, o
texto (método fônico, método silábico) e o método pelo princípio da
análise, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades maiores
e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às
unidades menores (método da palavra, método da sentenciar, método
global).
Estes métodos não consideravam o processo construtivo das crianças.
De acordo com Soares (2004), estas duas formas metodológicas passaram a
sofrer críticas severas nos anos 80, quando a perspectiva psicogenética
da aprendizagem da língua escrita começa a ser divulgada no Brasil pela
obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro (1985), sob a
denominação de construtivismo.
A partir dessa abordagem, ocorre uma mudança de pensamento em busca
de novas concepções e metodologias eficazes para o processo de
aprendizagem, ao eliminar a distinção entre aprendizagem do sistema de
escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita. Essa nova abordagem
do fenômeno da alfabetização permite identificar e explicar o processo
por meio do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um
sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos, ou seja,
o processo por meio do qual a criança torna-se alfabética.Além disso, sugere as condições em que mais adequadamente se
desenvolva esse processo, revelando o papel fundamental de uma interação
intensa e diversificada da criança com práticas e materiais reais de
leitura e escrita, a fim de que ocorra o processo de conceptualização e
entendimento da língua escrita. Entretanto, é necessário fazer a
distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas
de leitura e de escrita porque tanto em uma como noutra estão envolvidas
diferentes dimensões da capacidade metalinguística: reflexão, análise e
controle intencional; consciência fonológica, conhecimento das letras,
consciência grafo-fonêmica e pragmática; mediação do adulto ou de outra
criança mais velha que fornecem a ela informações ou que provocam sua
reflexão.
Enfim, é preciso ter o domínio do sistema de escrita (conceito e
reconhecimento das relações letra-som) para aprender a ler e escrever. A
respeito da aquisição da linguagem escrita pela criança, Ferreiro, em
colaboração com Teberosky (1985), desenvolveu pesquisas no México
chegando à conclusão de que quando a criança ingressa na escola já
possuí competência linguística, geralmente não considerada neste meio:
[…] atualmente sabemos que a criança que chega à escola tem um
notável conhecimento de sua Língua Materna, um saber linguístico que
utiliza ‘sem saber’ (inconscientemente) em seus atos de comunicação
cotidianos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 24).
Para estas pesquisadoras, este processo começa muito cedo, antes da
entrada da criança na escola, e segue uma linha de evolução regular que
ficou conhecida como Psicogênese da língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY,
1985).
Por meio deste estudo, os autores evidenciaram e explicaram o caminho
percorrido pelas crianças para compreender o valor e as funções da
escrita. Estes estudos contribuíram significativamente para a superação
da visão da escrita alfabética concebida como transcrição fonética do
idioma que se baseava na ideia de que a forma como a criança se apropria
da linguagem oral servia como modelo para explicar a aquisição da
linguagem escrita e era esse modelo que sustentava a maioria dos métodos
usados para alfabetizar as crianças.
[…] muitas das práticas do ensino da língua escrita são tributárias
do que se sabia da aquisição da linguagem oral; a progressão clássica
que consiste em começar pelas vogais, seguidas de consoantes labiais com
vogais, e a partir daí chegar à formação das primeiras palavras por
duplicação dessas sílabas mamá, papá, e , quando se trata de orações,
começar por orações declarativas simples, é uma série que reproduz
bastante bem a série de aquisição da língua oral, tal como ela se
apresenta vista do “lado de fora” (isto é, vista desde as condutas
observáveis e não desde o processo que engendra essas condutas
observáveis). Implicitamente, julgava-se ser necessário passar por essas
mesmas etapas quando se trata de aprender a língua escrita, como se
esta aprendizagem fosse uma aprendizagem da fala. (FERREIRO; TEBEROSKY,
1985, p. 23-24)
Contudo, para Ferreiro e Teberosky (1985), além da relação da escrita
com o código oral, há uma relação da escrita com o mundo real. A
escrita, nessa concepção, é um sistema simbólico de representação, e não
um código de transcrição. Esta visão rompe com a concepção de um
processo de aquisição da escrita apenas técnico para considerá-lo como
um processo conceitual, no qual a criança é um sujeito ativo e com
competência linguística. Concepções de alfabetização e letramento
Baseado nestas ideias, o construtivismo revelou processos de
compreensão da escrita pela criança, que foram identificados a partir da
análise de escritas espontâneas. Esses aspectos evidenciavam que a
criança construía hipóteses sobre o funcionamento da língua escrita e,
portanto, se mostrava imprescindível conhecer como ocorria esse processo
de elaboração e de apropriação acerca do sistema de escrita alfabético.
De acordo com Soares (2004), o foco no processo de construção
alfabético da língua escrita pela criança da ênfase na importância de
sua interação com práticas de leitura e de escrita como meio para
provocar e motivar o processo, na prática escolar da aprendizagem
inicial da língua escrita, o ensino sistemático das relações entre a
fala e a escrita de que se ocupa a alfabetização.
Para Soares (2004), houve grandes avanços teóricos sobre a aquisição
da escrita que trouxeram mudanças significativas no modo de conceber a
alfabetização. Neste sentido, atualmente, o que parece caracterizar a
concepção de alfabetização é que esta não é mais compreendida como um
processo que envolve apenas aprender a ler e a escrever enquanto
habilidades de codificação e decodificação, mas implica também um
processo de apropriação da linguagem escrita como prática social,
respeitando o vocabulário que a criança já traz para dentro da escola.
Entretanto, a apropriação dos conceitos de alfabetização e letramento
que está no cerne dessa discussão, pelos professores alfabetizadores,
ainda parece oscilar entre a noção de que o processo de apropriar-se da
linguagem escrita signifique a mera aquisição de um sistema de
codificação, para uns, e a apropriação de um sistema complexo de
representação que implica inclusive a capacidade de ler e compreender o
que foi lido, para outros. Com relação à noção de que o processo de
apropriação da linguagem escrita signifique a mera aquisição de um
sistema de codificação.
Smolka (1993) ressalta que as práticas docentes que consideram o
professor como detentor do saber, com a função de ensinar a linguagem
escrita, reduz o processo de aquisição desta linguagem ao ensino de uma
técnica e a própria escrita é reduzida e apresentada como uma técnica.
Para ela, as crianças que não conseguem aprender a ler e escrever são
resultado deste equívoco, que desconsidera a participação da criança na
construção deste conhecimento em função da necessidade de aprender o
saber da escola.
Segundo Smolka (1993), o processo de alfabetização nos moldes
tradicionais, nos quais a construção e aquisição da leitura e da escrita
pela criança, acontece por meio de métodos convencionais, como a
silabação e a palavração, por exemplo, é algo extremamente preocupante.
Deste modo, a autora questiona os métodos tradicionais de alfabetização
que limitam a compreensão da aquisição da leitura e da escrita como um
ensino mecânico, sem significação real para as crianças. Segundo a
autora, nessa concepção, as crianças são cobradas pelo que não entendem e
são levadas a buscar estratégias para sobreviverem nesse sistema, no
qual poucas crianças conseguem desenvolver naturalmente este
entendimento.
O processo de elaboração mental da criança na construção do
conhecimento sobre a escrita, que inicialmente passa pela linguagem
falada, fica terrivelmente dificultado porque a escrita apresentada na
escola é completamente distanciada da fala das crianças, e, na maioria
das vezes, é o que não se pensa, o que não se fala. Ou seja, a
“defasagem” não é apenas uma contingência da forma escrita de linguagem,
mas é também produto das condições de ensino. (SMOLKA, 1993, p. 60).
Para Smolka (1993), a escrita é considerada mais que um instrumento
técnico ou uma atividade mecânica; trata-se de um momento de interação e
interlocução entre os sujeitos envolvidos neste processo. O processo
inicial de leitura que passa pela escrita, o trabalho inicial da escrita
que passa pela fala, revelam fragmentos e momentos do “discurso
interior”, da “dialogia interna”, das crianças, nessa forma de interação
verbal. O papel do “outro”, do mediador, nessa interação começa a se
delinear (SMOLKA, 1993, p. 62).
De acordo com Soares (1999), ao mesmo tempo em que a criança
apropria-se da escrita como forma de interlocução, como atividade
discursiva, ela deve também ser conduzida a várias aprendizagens, ou
seja, ela precisa aprender a distinguir o texto oral do texto escrito, a
estruturar adequadamente seu texto escrito, a controlar as
possibilidades de apreensão do sentido do texto pelo pretendido leitor,
apropriar-se dos recursos de coesão próprios do texto escrito, aprender
as convenções de organização do texto na página.
É necessário considerar as questões relativas à aquisição do sistema
de escrita e as questões relativas à utilização desse sistema para a
interação social, isto é, o desenvolvimento das habilidades textuais.
Para Soares (1999), o problema enfrentado com relação à apropriação da
leitura e da escrita é que, no contexto escolar, as questões da relação
letra e som, ou das relações entre fala e escrita em consonância com o
desenvolvimento das habilidades textuais, são sempre negligenciadas.
Para Smolka (1993), o problema é a distância entre ensinar a técnica
da escrita e considerar as funções sociais da língua escrita. Para nós, a
questão principal é compreender as crianças como um sujeito de direito,
reconhecendo-as como produtoras de cultura. Isto implica compreender a
aprendizagem da leitura e da escrita como práticas sociais que devem ser
integradas às demais práticas sociais que se desenvolvem na infância. A
necessidade de ampliar o conceito de alfabetização, para que a
aprendizagem da leitura deixe de ser vista apenas como reconhecimento de
letras, sílabas e palavras, e a escrita apenas como um código de
transcrição da fala.
As pesquisas atuais sobre a apropriação da linguagem escrita pelas
crianças e como ocorre este processo (Baptista, 2010; Baptista, 2013;
Ferreiro, 1985; Soares, 2009; Kramer, 2006) evidenciam que existe uma
forte relação entre esta apropriação e o próprio desenvolvimento
Infantil.
Estes estudos permitem concluir que o processo de apropriação deve
iniciar-se desde os primeiros anos de vida. Isto porque a criança, desde
o seu nascimento, é um sujeito social que produz cultura e está
inserida nela, uma cultura na qual a escrita está presente e determina,
em grande medida, a dinâmica da sociedade. A escrita está presente na
dinâmica da sociedade, assumindo diferentes funções, das quais as
crianças, mesmo sem a intencionalidade do adulto, acabam participando.
Estas funções são adquiridas pelas crianças, de acordo com Ferreiro
(1993), por meio da sua participação em atos sociais, nos quais a língua
escrita cumpre funções precisas. Considerando esta perspectiva, Smolka
(1993) ressalta que a alfabetização, da forma como preconizou Vygotsky,
pode ser compreendida como atividade discursiva interativa, instauradora
e constituinte do conhecimento na e pela escrita. Para Smolka (1993), a
alfabetização do ponto de vista da psicologia Vygotskiana pode englobar
a questão da aquisição da linguagem oral e escrita enquanto processo de
interação social.
Para Smolka (1993), a criança aprende de forma mais eficaz quando se
envolve em atividades coletivas e lúdicas, que tenham significado para
ela e quando orientada por alguém que tenha competência, ou seja,
enfatizando o papel crucial do educador mediador. Isto porque o nosso
comportamento é mediado por signos, respondendo a significados que
atribuímos a situações cuja interpretação depende de um contexto
cultural.
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