e sua relação com a cultura brasileira
1. INTRODUÇÃO
Sabemos
que existe uma história da África que antecede o tráfico de escravos
para o nosso país. Sabemos também que nosso país tem uma cultura
anterior a esse mesmo fato aí citado. E sabemos também que após a
ocorrência da vinda desses escravos iniciou-se a construção do que hoje
chamamos de identidade cultural afro-brasileira. Contudo eu vou além,
ouso dizer que o que veio após a chegada dos primeiros negros aqui não
foi o nascimento apenas da cultura afro-brasileira, mas sim o princípio
da cultura brasileira.
Para
melhor ilustramos essa afirmação basta observamos nosso cotidiano. Se
analisarmos reflexivamente a nossa atualidade, veremos que a influência
da história cultural africana está presente em todos os aspectos da
sociedade dita moderna. Não há mais possibilidade de desvincular a
cultura brasileira da africana, da indígena ou da européia.
Para
ficar mais fácil de entendermos precisamos antes definir o que é
cultura. Para Sérgio Grigoletto (2008) “Cultura é um conjunto de valores
nos indivíduos de uma determinada sociedade, transmissíveis de forma
não biológica”. Sei que o que se pede aqui é a influência da História
Africana como um todo, contudo para tornar o entendimento mais
significativo, vou me ater a uma análise da cultura africana como
produto da sua história. Assim baseado nisso podemos dizer que cultura
africana é: os valores inerentes à sociedade Africana. Mas aí a gente
esbarra em um problema conceitual. Sabemos que a palavra África é muito
pequena pra designar a complexidade cultural nela inserida, quer dizer
quando se fala em África geralmente colocamos dúzias de estados
independentes, dezenas de etnias diferentes e centenas de “culturas”
distintas na mesma panela conceitual. Da mesma maneira ao tentarmos
definir o que é cultura brasileira chegamos ao mesmo beco sem saída.
Sendo o Brasil um país colonizado e “fabricado” por diferentes pessoas,
portadoras de distintas culturas, como então se referir a “uma” cultura
brasileira? Por isso volto ao que disse no início, não dá pra
desvincular o Brasil de hoje do seu passado “promíscuo” culturalmente
falando.
Para
tentar resolver esse impasse citado no parágrafo anterior, vamos
desambiguar. Nesse artigo quando me referir à cultura africana, eu
estarei fazendo menção de um conjunto de costumes, práticas e valores
pertencentes aos migrantes forçadamente transladados para a América
portuguesa ainda nos idos de 1500. Da mesma forma, quando escrever
cultura brasileira, eu estarei falando dos elementos culturais presentes
nos atuais “filhos da pátria”. Assim retomando o raciocínio vamos
concluindo por ora dizendo então que o presente artigo irá se limitar a
três principais pontos de contato entre nossa cultura e a história da
África: a linguagem, a culinária e o folclore. Isso porque seria
praticamente impossível descrevermos todos os elementos culturais de uma
cultura mesclados em outra.
2. LÍNGUA PORTUGUESA DO BRASIL: UM SOPRO AFRICANO EM NOSSO IDIOMA
Segundo
Ximenes (2001) a linguagem de uma nação é um organismo vivo, mutável,
sujeito a modificações, aberto a interpolações e enxertos de origens
diversas. Quer dizer, a língua portuguesa que nós hoje falamos é muito
diferente daquela que era falada no início do século passado. Não falo
apenas de regras gramaticais, mas também das palavras em si mesmas, já
que palavras novas surgem a cada dia, outras deixam de ser utilizadas e
outras ainda acabam sendo substituídas. Assim falando fica fácil
perceber que a linguagem é uma das áreas mais fáceis de serem
influenciadas por alguma cultura estrangeira. Vamos então montar um
glossário com alguns exemplos de palavras correntemente utilizadas que
tem sua origem nas diversas línguas faladas pelos diferentes povos
africanos. A maioria eu encontrei no site Yahoo respostas (2008), todas
foram enviadas por usuários do referido site:
A
abará: bolinho de feijão.
acará: peixe de esqueleto ósseo.
acarajé: bolinho de feijão frito (feijão fradinho).
agogô: instrumento musical constituído por uma dupla campânula de ferro, produzindo dois sons.
angu: massa de farinha de trigo ou de mandioca ou arroz.
B
banguê: padiola de cipós trançados na qual se leva o bagaço da cana.
bangulê: dança de negros ao som da puíta, palma e sapateados.
banzar: meditar, matutar.
banzo: nostalgia mortal dos negros da África.
banto: nome do grupo de idiomas africanos em que a flexão se faz por prefixos.
batuque: dança com sapateados e palmas.
banguela: desdentado.
berimbau: instrumento de percussão com o qual se acompanha a capoeira.
búzio: concha.
C
cachaça: aguardente.
cachimbo: aparelho para fumar.
cacimba: cova que recolhe água de terrenos pantanosos.
Caculé: cidade da Bahia.
cafife: diz-se de pessoa que dá azar.
cafuca: centro; esconderijo.
cafua: cova.
cafuche: irmão do Zumbi.
cafuchi: serra.
cafundó: lugar afastado, de acesso difícil.
cafuné: carinho.
cafungá: pastor de gado.
calombo: quisto, doença.
calumbá: planta.
calundu: mau humor.
camundongo: rato.
candomblé: religião dos negros iorubás.
candonga: intriga, mexerico.
canjerê: feitiço, mandinga.
canjica: papa de milho verde ralado.
carimbo: instrumento de borracha.
catimbau: prática de feitiçaria .
catunda: sertão.
Cassangue: grupo de negros da África.
caxambu: grande tambor usado na dança harmônica.
caxumba: doença da glândula falias.
chuchu: fruto comestível.
cubata: choça de pretos; senzala.
cumba: forte, valente.
D
dendê: fruto do dendezeiro.
dengo: manha, birra.
diamba: maconha.
E
efó: espécie de guisado de camarões e ervas, temperado com azeite de dendê e pimenta.
Exu: deus africano de potências contrárias ao homem.
F
fubá: farinha de milho.
G
guandu: o mesmo que andu (fruto do anduzeiro), ou arbusto de flores amarelas, tipo de feijão comestível.
I
inhame: planta medicinal e alimentícia com raiz parecida com o cará.
Iemanjá: deusa africana, a mãe d’ água dos iorubanos.
iorubano: habitante ou natural de Ioruba (África).
J
jeribata: álcool; aguardente.
jeguedê: dança negra.
jiló: fruto verde de gosto amargo.
jongo: o mesmo que samba.
L
libambo: bêbado (pessoas que se alteram por causa da bebida).
lundu: primitivamente dança africana.
M
macumba: religião afro-brasileira.
máculo: nódoa, mancha.
malungo: título que os escravos africanos davam aos que tinham vindo no mesmo navio; irmão de criação.
maracatu: cortejo carnavalesco que segue uma mulher que num bastão leva uma bonequinha enfeitada, a calunga.
marimba: peixe do mar.
marimbondo: o mesmo que vespa.
maxixe: fruto verde.
miçanga: conchas de vidro, variadas e miúdas.
milonga: certa música ao som de violão.
mandinga: feitiçaria, bruxaria.
molambo: pedaço de pano molhado.
mocambo: habitação muito pobre.
moleque: negrinho, menino de pouca idade.
muamba: contrabando.
mucama: escrava negra especial.
mulunga: árvore.
munguzá: iguaria feita de grãos de milho cozido, em caldo açucarado, às vezes com leite de coco ou de gado. O mesmo que canjica.
murundu: montanha ou monte; montículo; o mesmo que montão.
mutamba: árvore.
muxiba: carne magra.
muxinga: açoite; bordoada.
muxongo: beijo; carícia.
massagana: confluência, junção de rios em Angola.
O
Ogum ou Ogundelê: Deus das lutas e das guerras.
Orixá: divindade
secundário do culto jejênago, medianeira que transmite súplicas dos
devotos suprema divindade desse culto, ídolo africano.
P
puita: corpo pesado usado nas embarcações de pesca em vez fateixa.
Q
quenga: vasilha feita da metade do coco.
quiabo: fruto de forma piramidal, verde e peludo.
quibebe: papa de abóbora ou de banana.
quilombo: valhacouto de escravos fugidos.
quibungo: invocado nas cantigas de ninar, o mesmo que cuca, festa dançante dos negros.
queimana: iguaria nordestina feita de gergelim .
quimbebé: bebida de milho fermentado.
quimbembe: casa rústica, rancho de palha.
quimgombô: quiabo.
quitute: comida fina, iguaria delicada.
quizília: antipatia ou aborrecimento.
S
samba: dança cantada de origem africana de compasso binário (da língua de Luanda, semba = umbigada).
senzala: alojamento dos escravos.
soba: chefe de trigo africana.
T
tanga: pano que cobre desde o ventre até as coxas.
tutu: iguaria de carne de porco salgada, toicinho, feijão e farinha de mandioca.
U
urucungo: instrumento musical.
V
vatapá: comida.
X
xendengue: magro, franzino.
Z
zambi ou zambeta: cambaio, torto das pernas.
zumbi: fantasmas.
Assim
como pudemos notar há um leque enorme de palavras que tem sua origem
ligada ao continente africano. Algumas já caíram em desuso, mas a grande
maioria ainda está entre nós. E essa é uma pesquisa recente, só Deus
sabe mensurar exatamente a importância da África para a nossa língua.
3. A CULINÁRIA BRASILEIRA QUE TEM SABOR DE ÁFRICA
A
culinária do Brasil tem uma nítida influência africana. É a essa
conclusão que chegará quem se propuser a estudar, mesmo que
superficialmente o tema. Segundo a Larousse (1995)
O
negro introduziu na cozinha o leite de coco-da-baía, o azeite de dendê,
confirmou a excelência da pimenta malagueta sobre a do reino, deu ao
Brasil o feijão preto, o quiabo, ensinou a fazer vatapá, caruru,
mungunzá, acarajé, angu e pamonha. A cozinha negra, pequena, mas forte,
fez valer os seus temperos, os verdes, a sua maneira de cozinhar.
Modificou os pratos portugueses, substituindo ingredientes; fez a mesma
coisa com os pratos da terra; e finalmente criou a cozinha brasileira,
descobrindo o chuchu com camarão, ensinando a fazer pratos com camarão
seco e a usar as panelas de barro e a colher de pau. Além disso, o
africano contribuiu com a difusão do inhame, da cana de açúcar e do
dendezeiro, do qual se faz o azeite-de-dendê. O leite de coco, de origem
polinésia, foi trazido pelos negros, assim como a pimenta malagueta e a
galinha de Angola.
Ainda
usando a mesma enciclopédia podemos montar um pequeno quadro com alguns
pratos ainda hoje largamente presentes nas cozinhas brasileiras,
principalmente no nordeste, e que são originários da África (para não
ficar extenso citarei apenas os iniciados com a letra A):
Ado
Doce
de origem afro-brasileira feito de milho torrado e moído, misturado com
azeite-de-dendê e mel. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a
Oxum).
Aberém
Bolinho
de origem afro-brasileira, feito de milho ou de arroz moído na pedra,
macerado em água, salgado e cozido em folhas de bananeira secas. (No
candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Omulu e Oxumaré).
Abrazô
Bolinho da culinária afro-brasileira, feito de farinha de milho ou de mandioca, apimentado, frito em azeite-de-dendê.
Acaçá
Bolinho
da culinária afro-brasileira, feito de milho macerado em água fria e
depois moído, cozido e envolvido, ainda morno, em folhas verdes de
bananeira. (Acompanha o vatapá ou caruru. Preparado com leite de coco e
açúcar, é chamada acaçá de leite.) [No candomblé, é comida-de-santo,
oferecida a Oxalá, Nanã, Ibeji, Iêmanja e Exu.]
Abará
Bolinho
de origem afro-brasileira feito com massa de feijão-fradinho temperada
com pimenta, sal, cebola e azeite-de-dendê, algumas vezes com camarão
seco, inteiro ou moído e misturado à massa, que é embrulhada em folha de
bananeira e cozida em água. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida
a Iansã, Obá e Ibeji).
Aluá
Bebida
refrigerante feita de milho, de arroz ou de casca de abacaxi
fermentados com açúcar ou rapadura, usada tradicionalmente como oferenda
aos orixás nas festas populares de origem africana.
Esses
são então alguns pratos tipicamente africanos que hoje se encontram
visceralmente inseridos na mesa dos brasileiros. Além deles existem
inúmeros que por uma questão de espaço não serão citados. Há que se
fazer menção, contudo da feijoada, orgulho nacional, que segundo alguns
historiadores, também tem a sua origem ligada à história dos primeiros
africanos nas senzalas do período colonial brasileiro. Do que dá pra
tirar a conclusão de que no campo da culinária, muito daquilo que hoje a
gente considera como tipicamente nacional não passa de “apropriação” da
cozinha africana.
4. A HISTÓRIA DA ÁFRICA MARCA NOSSO FOLCLORE
A
frase que abre esse tópico é resultado da pesquisa que realizei pra
elaborar esse artigo. Uma definição para a palavra folclore se faz
necessária nesse ponto não é? Relembro então uma definição que me foi
passada na escola primária: Folclore é uma palavra de origem estrangeira
que significa SABER DO POVO, onde Folk=Povo e Lore=Saber. Simples
assim. Agora analisemos então o que faz parte do saber do nosso povo.
Destaco
em primeiro lugar as lendas que nos foram legadas por nossos
antepassados. Vamos citar apenas duas. A primeira que me vem à mente é a
do negrinho do pastoreio. Extremamente conhecida e que a primeira vista
tem um alto teor de História da África a envolvê-la. Explico-me, a
lenda conta a história de um negrinho, escravo, que com certeza tinha
origem Africana. Assim apenas por isso, já dá pra dizer que a essa lenda
envolve a História da África, pois qual é o fato da história do
continente vizinho que até pouco tempo era único no objetivo de unir
nossas historias? A escravidão.
Passemos agora para a outra lenda, esta foi extraída do site Diário de Lisboa:
Quibungo:
É uma espécie de monstro, meio homem, meio bicho. Tem a cabeça enorme e
um grande buraco no meio das costas, que se abre e fecha conforme ele
abaixa e levanta a cabeça. Come pessoas, especialmente crianças e
mulheres, abrindo o buraco e atirando-as dentro dele.
O
quibungo, também chamado kibungo ou chibungo, é mito de origem africana
que chegou ao Brasil através dos bantus e se fixou no estado da Bahia.
Suas histórias sempre surgem em um conto romanceado, com trechos
cantados, como é comum na literatura oral da África. Em Angola e Congo,
quibungo significa “lobo”.
Curiosamente,
segundo as observações de Basílio de Magalhães, as histórias do
quibungo não acompanharam o deslocamento do elemento bantu no território
brasileiro, ocorrendo exclusivamente em terras baianas. Para Luís da
Câmara Cascudo, apesar da influência africana ser determinante, “parece
que o quibungo, figura de tradições africanas, elemento de contos
negros, teve entre nós outros atributos e aprendeu novas atividades”.
Extremamente
voraz e feio, não possui grande inteligência ou esperteza. Também é
muito vulnerável e pode ser morto facilmente a tiro, facada, paulada ou
qualquer outra arma. Covarde e medroso morre gritando, apavorado, de
forma quase inocente.
Apesar
de não estar presente no país todo, ainda é uma história muito comum na
Bahia e em alguns estados do nordeste sendo, portanto considerada como
parte do folclore brasileiro.
Outra
referência que devemos citar ao falarmos de folclore são as
manifestações artísticas. Logo acima nas palavras de origem africana nós
citamos o samba. Esse é o representante maior no cenário artístico.
Ainda hoje o Brasil é conhecido mundialmente como o país do futebol e do
samba. Mas aí perguntamos: que História da África há por detrás do
samba? Vamos aos fatos.
Segundo
o site Sua Pesquisa (2008) o samba é uma adaptação das danças e dos
cantos tribais dos primeiros escravos a aportarem no Brasil. Aqui ele
sofreu variadas mutações até chegar ao estilo que hoje nós conhecemos.
A
partir daí é possível fazer uma dedução lógica, se eram cantos tribais
por certo tinham a sua significância histórica. Todas as sociedades
procuram um meio artístico para representarem sua história. Concordamos
que por vezes o resultado é idealizado, mitológico, romanceado ou
fantasioso, contudo não pode ser desconsiderado como material histórico.
Do que podemos concluir que o samba, por ser descendente dessas
manifestações culturais pode ser considerado um belo exemplo disso tudo
que estamos tentando demonstrar.
Poderíamos
ainda discorrer sobre a capoeira, contudo particularmente considero a
capoeira mais uma arte marcial do que uma manifestação artística. Mas
vale o registro como fato ligado à História dos primeiros escravos
africanos no Brasil que aperfeiçoaram a luta como forma de resistência
aos dominantes. A música e a dança, na qual a luta pretendeu se esconder
servia apenas para mascarar o verdadeiro caráter da capoeira, como
dizia o conhecido Mestre Palhinha “A capoeira é antes de tudo luta, e
luta violenta” (abrasoffa.org, 2008).
5. CONCLUSÃO
Como
temos visto a influência da História Cultural da África é muito nítida
na cultura do nosso país. Citamos exemplos de palavras usadas na nossa
língua pátria que vieram dos africanos, também elencamos ingredientes
culinários provenientes do continente vizinho e concluímos citando
algumas manifestações folclóricas brasileiras ligadas à cultura da
África. Conforme vimos então são vários os exemplos que nos permitem
fazer uma tentativa de responder a pergunta inicial do artigo: O que
nossa cultura herdou da África? Muita coisa! Não dá para citarmos um
percentual, mas aquilo que hoje consideramos como Cultura Brasileira,
identidade cultural nacional, ou qualquer conceito do gênero está
definitivamente vinculado à História da África, que nos foi ligada a
partir do momento em que o primeiro escravo africano pisou em solo
tupiniquim. Vale ressaltar, contudo que todas as demais levas de
emigrantes europeus e asiáticos, ajudaram a formar esse mosaico de
culturas diversas que forma uma ampla, complexa e única cultura
nacional.
e sua relação com a cultura brasileira
1. INTRODUÇÃO
Sabemos
que existe uma história da África que antecede o tráfico de escravos
para o nosso país. Sabemos também que nosso país tem uma cultura
anterior a esse mesmo fato aí citado. E sabemos também que após a
ocorrência da vinda desses escravos iniciou-se a construção do que hoje
chamamos de identidade cultural afro-brasileira. Contudo eu vou além,
ouso dizer que o que veio após a chegada dos primeiros negros aqui não
foi o nascimento apenas da cultura afro-brasileira, mas sim o princípio
da cultura brasileira.
Para
melhor ilustramos essa afirmação basta observamos nosso cotidiano. Se
analisarmos reflexivamente a nossa atualidade, veremos que a influência
da história cultural africana está presente em todos os aspectos da
sociedade dita moderna. Não há mais possibilidade de desvincular a
cultura brasileira da africana, da indígena ou da européia.
Para
ficar mais fácil de entendermos precisamos antes definir o que é
cultura. Para Sérgio Grigoletto (2008) “Cultura é um conjunto de valores
nos indivíduos de uma determinada sociedade, transmissíveis de forma
não biológica”. Sei que o que se pede aqui é a influência da História
Africana como um todo, contudo para tornar o entendimento mais
significativo, vou me ater a uma análise da cultura africana como
produto da sua história. Assim baseado nisso podemos dizer que cultura
africana é: os valores inerentes à sociedade Africana. Mas aí a gente
esbarra em um problema conceitual. Sabemos que a palavra África é muito
pequena pra designar a complexidade cultural nela inserida, quer dizer
quando se fala em África geralmente colocamos dúzias de estados
independentes, dezenas de etnias diferentes e centenas de “culturas”
distintas na mesma panela conceitual. Da mesma maneira ao tentarmos
definir o que é cultura brasileira chegamos ao mesmo beco sem saída.
Sendo o Brasil um país colonizado e “fabricado” por diferentes pessoas,
portadoras de distintas culturas, como então se referir a “uma” cultura
brasileira? Por isso volto ao que disse no início, não dá pra
desvincular o Brasil de hoje do seu passado “promíscuo” culturalmente
falando.
Para
tentar resolver esse impasse citado no parágrafo anterior, vamos
desambiguar. Nesse artigo quando me referir à cultura africana, eu
estarei fazendo menção de um conjunto de costumes, práticas e valores
pertencentes aos migrantes forçadamente transladados para a América
portuguesa ainda nos idos de 1500. Da mesma forma, quando escrever
cultura brasileira, eu estarei falando dos elementos culturais presentes
nos atuais “filhos da pátria”. Assim retomando o raciocínio vamos
concluindo por ora dizendo então que o presente artigo irá se limitar a
três principais pontos de contato entre nossa cultura e a história da
África: a linguagem, a culinária e o folclore. Isso porque seria
praticamente impossível descrevermos todos os elementos culturais de uma
cultura mesclados em outra.
2. LÍNGUA PORTUGUESA DO BRASIL: UM SOPRO AFRICANO EM NOSSO IDIOMA
Segundo
Ximenes (2001) a linguagem de uma nação é um organismo vivo, mutável,
sujeito a modificações, aberto a interpolações e enxertos de origens
diversas. Quer dizer, a língua portuguesa que nós hoje falamos é muito
diferente daquela que era falada no início do século passado. Não falo
apenas de regras gramaticais, mas também das palavras em si mesmas, já
que palavras novas surgem a cada dia, outras deixam de ser utilizadas e
outras ainda acabam sendo substituídas. Assim falando fica fácil
perceber que a linguagem é uma das áreas mais fáceis de serem
influenciadas por alguma cultura estrangeira. Vamos então montar um
glossário com alguns exemplos de palavras correntemente utilizadas que
tem sua origem nas diversas línguas faladas pelos diferentes povos
africanos. A maioria eu encontrei no site Yahoo respostas (2008), todas
foram enviadas por usuários do referido site:
A
abará: bolinho de feijão.
acará: peixe de esqueleto ósseo.
acarajé: bolinho de feijão frito (feijão fradinho).
agogô: instrumento musical constituído por uma dupla campânula de ferro, produzindo dois sons.
angu: massa de farinha de trigo ou de mandioca ou arroz.
B
banguê: padiola de cipós trançados na qual se leva o bagaço da cana.
bangulê: dança de negros ao som da puíta, palma e sapateados.
banzar: meditar, matutar.
banzo: nostalgia mortal dos negros da África.
banto: nome do grupo de idiomas africanos em que a flexão se faz por prefixos.
batuque: dança com sapateados e palmas.
banguela: desdentado.
berimbau: instrumento de percussão com o qual se acompanha a capoeira.
búzio: concha.
C
cachaça: aguardente.
cachimbo: aparelho para fumar.
cacimba: cova que recolhe água de terrenos pantanosos.
Caculé: cidade da Bahia.
cafife: diz-se de pessoa que dá azar.
cafuca: centro; esconderijo.
cafua: cova.
cafuche: irmão do Zumbi.
cafuchi: serra.
cafundó: lugar afastado, de acesso difícil.
cafuné: carinho.
cafungá: pastor de gado.
calombo: quisto, doença.
calumbá: planta.
calundu: mau humor.
camundongo: rato.
candomblé: religião dos negros iorubás.
candonga: intriga, mexerico.
canjerê: feitiço, mandinga.
canjica: papa de milho verde ralado.
carimbo: instrumento de borracha.
catimbau: prática de feitiçaria .
catunda: sertão.
Cassangue: grupo de negros da África.
caxambu: grande tambor usado na dança harmônica.
caxumba: doença da glândula falias.
chuchu: fruto comestível.
cubata: choça de pretos; senzala.
cumba: forte, valente.
D
dendê: fruto do dendezeiro.
dengo: manha, birra.
diamba: maconha.
E
efó: espécie de guisado de camarões e ervas, temperado com azeite de dendê e pimenta.
Exu: deus africano de potências contrárias ao homem.
F
fubá: farinha de milho.
G
guandu: o mesmo que andu (fruto do anduzeiro), ou arbusto de flores amarelas, tipo de feijão comestível.
I
inhame: planta medicinal e alimentícia com raiz parecida com o cará.
Iemanjá: deusa africana, a mãe d’ água dos iorubanos.
iorubano: habitante ou natural de Ioruba (África).
J
jeribata: álcool; aguardente.
jeguedê: dança negra.
jiló: fruto verde de gosto amargo.
jongo: o mesmo que samba.
L
libambo: bêbado (pessoas que se alteram por causa da bebida).
lundu: primitivamente dança africana.
M
macumba: religião afro-brasileira.
máculo: nódoa, mancha.
malungo: título que os escravos africanos davam aos que tinham vindo no mesmo navio; irmão de criação.
maracatu: cortejo carnavalesco que segue uma mulher que num bastão leva uma bonequinha enfeitada, a calunga.
marimba: peixe do mar.
marimbondo: o mesmo que vespa.
maxixe: fruto verde.
miçanga: conchas de vidro, variadas e miúdas.
milonga: certa música ao som de violão.
mandinga: feitiçaria, bruxaria.
molambo: pedaço de pano molhado.
mocambo: habitação muito pobre.
moleque: negrinho, menino de pouca idade.
muamba: contrabando.
mucama: escrava negra especial.
mulunga: árvore.
munguzá: iguaria feita de grãos de milho cozido, em caldo açucarado, às vezes com leite de coco ou de gado. O mesmo que canjica.
murundu: montanha ou monte; montículo; o mesmo que montão.
mutamba: árvore.
muxiba: carne magra.
muxinga: açoite; bordoada.
muxongo: beijo; carícia.
massagana: confluência, junção de rios em Angola.
O
Ogum ou Ogundelê: Deus das lutas e das guerras.
Orixá: divindade
secundário do culto jejênago, medianeira que transmite súplicas dos
devotos suprema divindade desse culto, ídolo africano.
P
puita: corpo pesado usado nas embarcações de pesca em vez fateixa.
Q
quenga: vasilha feita da metade do coco.
quiabo: fruto de forma piramidal, verde e peludo.
quibebe: papa de abóbora ou de banana.
quilombo: valhacouto de escravos fugidos.
quibungo: invocado nas cantigas de ninar, o mesmo que cuca, festa dançante dos negros.
queimana: iguaria nordestina feita de gergelim .
quimbebé: bebida de milho fermentado.
quimbembe: casa rústica, rancho de palha.
quimgombô: quiabo.
quitute: comida fina, iguaria delicada.
quizília: antipatia ou aborrecimento.
S
samba: dança cantada de origem africana de compasso binário (da língua de Luanda, semba = umbigada).
senzala: alojamento dos escravos.
soba: chefe de trigo africana.
T
tanga: pano que cobre desde o ventre até as coxas.
tutu: iguaria de carne de porco salgada, toicinho, feijão e farinha de mandioca.
U
urucungo: instrumento musical.
V
vatapá: comida.
X
xendengue: magro, franzino.
Z
zambi ou zambeta: cambaio, torto das pernas.
zumbi: fantasmas.
Assim
como pudemos notar há um leque enorme de palavras que tem sua origem
ligada ao continente africano. Algumas já caíram em desuso, mas a grande
maioria ainda está entre nós. E essa é uma pesquisa recente, só Deus
sabe mensurar exatamente a importância da África para a nossa língua.
3. A CULINÁRIA BRASILEIRA QUE TEM SABOR DE ÁFRICA
A
culinária do Brasil tem uma nítida influência africana. É a essa
conclusão que chegará quem se propuser a estudar, mesmo que
superficialmente o tema. Segundo a Larousse (1995)
O
negro introduziu na cozinha o leite de coco-da-baía, o azeite de dendê,
confirmou a excelência da pimenta malagueta sobre a do reino, deu ao
Brasil o feijão preto, o quiabo, ensinou a fazer vatapá, caruru,
mungunzá, acarajé, angu e pamonha. A cozinha negra, pequena, mas forte,
fez valer os seus temperos, os verdes, a sua maneira de cozinhar.
Modificou os pratos portugueses, substituindo ingredientes; fez a mesma
coisa com os pratos da terra; e finalmente criou a cozinha brasileira,
descobrindo o chuchu com camarão, ensinando a fazer pratos com camarão
seco e a usar as panelas de barro e a colher de pau. Além disso, o
africano contribuiu com a difusão do inhame, da cana de açúcar e do
dendezeiro, do qual se faz o azeite-de-dendê. O leite de coco, de origem
polinésia, foi trazido pelos negros, assim como a pimenta malagueta e a
galinha de Angola.
Ainda
usando a mesma enciclopédia podemos montar um pequeno quadro com alguns
pratos ainda hoje largamente presentes nas cozinhas brasileiras,
principalmente no nordeste, e que são originários da África (para não
ficar extenso citarei apenas os iniciados com a letra A):
Ado
Doce
de origem afro-brasileira feito de milho torrado e moído, misturado com
azeite-de-dendê e mel. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida a
Oxum).
Aberém
Bolinho
de origem afro-brasileira, feito de milho ou de arroz moído na pedra,
macerado em água, salgado e cozido em folhas de bananeira secas. (No
candomblé, é comida-de-santo, oferecida a Omulu e Oxumaré).
Abrazô
Bolinho da culinária afro-brasileira, feito de farinha de milho ou de mandioca, apimentado, frito em azeite-de-dendê.
Acaçá
Bolinho
da culinária afro-brasileira, feito de milho macerado em água fria e
depois moído, cozido e envolvido, ainda morno, em folhas verdes de
bananeira. (Acompanha o vatapá ou caruru. Preparado com leite de coco e
açúcar, é chamada acaçá de leite.) [No candomblé, é comida-de-santo,
oferecida a Oxalá, Nanã, Ibeji, Iêmanja e Exu.]
Abará
Bolinho
de origem afro-brasileira feito com massa de feijão-fradinho temperada
com pimenta, sal, cebola e azeite-de-dendê, algumas vezes com camarão
seco, inteiro ou moído e misturado à massa, que é embrulhada em folha de
bananeira e cozida em água. (No candomblé, é comida-de-santo, oferecida
a Iansã, Obá e Ibeji).
Aluá
Bebida
refrigerante feita de milho, de arroz ou de casca de abacaxi
fermentados com açúcar ou rapadura, usada tradicionalmente como oferenda
aos orixás nas festas populares de origem africana.
Esses
são então alguns pratos tipicamente africanos que hoje se encontram
visceralmente inseridos na mesa dos brasileiros. Além deles existem
inúmeros que por uma questão de espaço não serão citados. Há que se
fazer menção, contudo da feijoada, orgulho nacional, que segundo alguns
historiadores, também tem a sua origem ligada à história dos primeiros
africanos nas senzalas do período colonial brasileiro. Do que dá pra
tirar a conclusão de que no campo da culinária, muito daquilo que hoje a
gente considera como tipicamente nacional não passa de “apropriação” da
cozinha africana.
4. A HISTÓRIA DA ÁFRICA MARCA NOSSO FOLCLORE
A
frase que abre esse tópico é resultado da pesquisa que realizei pra
elaborar esse artigo. Uma definição para a palavra folclore se faz
necessária nesse ponto não é? Relembro então uma definição que me foi
passada na escola primária: Folclore é uma palavra de origem estrangeira
que significa SABER DO POVO, onde Folk=Povo e Lore=Saber. Simples
assim. Agora analisemos então o que faz parte do saber do nosso povo.
Destaco
em primeiro lugar as lendas que nos foram legadas por nossos
antepassados. Vamos citar apenas duas. A primeira que me vem à mente é a
do negrinho do pastoreio. Extremamente conhecida e que a primeira vista
tem um alto teor de História da África a envolvê-la. Explico-me, a
lenda conta a história de um negrinho, escravo, que com certeza tinha
origem Africana. Assim apenas por isso, já dá pra dizer que a essa lenda
envolve a História da África, pois qual é o fato da história do
continente vizinho que até pouco tempo era único no objetivo de unir
nossas historias? A escravidão.
Passemos agora para a outra lenda, esta foi extraída do site Diário de Lisboa:
Quibungo:
É uma espécie de monstro, meio homem, meio bicho. Tem a cabeça enorme e
um grande buraco no meio das costas, que se abre e fecha conforme ele
abaixa e levanta a cabeça. Come pessoas, especialmente crianças e
mulheres, abrindo o buraco e atirando-as dentro dele.
O
quibungo, também chamado kibungo ou chibungo, é mito de origem africana
que chegou ao Brasil através dos bantus e se fixou no estado da Bahia.
Suas histórias sempre surgem em um conto romanceado, com trechos
cantados, como é comum na literatura oral da África. Em Angola e Congo,
quibungo significa “lobo”.
Curiosamente,
segundo as observações de Basílio de Magalhães, as histórias do
quibungo não acompanharam o deslocamento do elemento bantu no território
brasileiro, ocorrendo exclusivamente em terras baianas. Para Luís da
Câmara Cascudo, apesar da influência africana ser determinante, “parece
que o quibungo, figura de tradições africanas, elemento de contos
negros, teve entre nós outros atributos e aprendeu novas atividades”.
Extremamente
voraz e feio, não possui grande inteligência ou esperteza. Também é
muito vulnerável e pode ser morto facilmente a tiro, facada, paulada ou
qualquer outra arma. Covarde e medroso morre gritando, apavorado, de
forma quase inocente.
Apesar
de não estar presente no país todo, ainda é uma história muito comum na
Bahia e em alguns estados do nordeste sendo, portanto considerada como
parte do folclore brasileiro.
Outra
referência que devemos citar ao falarmos de folclore são as
manifestações artísticas. Logo acima nas palavras de origem africana nós
citamos o samba. Esse é o representante maior no cenário artístico.
Ainda hoje o Brasil é conhecido mundialmente como o país do futebol e do
samba. Mas aí perguntamos: que História da África há por detrás do
samba? Vamos aos fatos.
Segundo
o site Sua Pesquisa (2008) o samba é uma adaptação das danças e dos
cantos tribais dos primeiros escravos a aportarem no Brasil. Aqui ele
sofreu variadas mutações até chegar ao estilo que hoje nós conhecemos.
A
partir daí é possível fazer uma dedução lógica, se eram cantos tribais
por certo tinham a sua significância histórica. Todas as sociedades
procuram um meio artístico para representarem sua história. Concordamos
que por vezes o resultado é idealizado, mitológico, romanceado ou
fantasioso, contudo não pode ser desconsiderado como material histórico.
Do que podemos concluir que o samba, por ser descendente dessas
manifestações culturais pode ser considerado um belo exemplo disso tudo
que estamos tentando demonstrar.
Poderíamos
ainda discorrer sobre a capoeira, contudo particularmente considero a
capoeira mais uma arte marcial do que uma manifestação artística. Mas
vale o registro como fato ligado à História dos primeiros escravos
africanos no Brasil que aperfeiçoaram a luta como forma de resistência
aos dominantes. A música e a dança, na qual a luta pretendeu se esconder
servia apenas para mascarar o verdadeiro caráter da capoeira, como
dizia o conhecido Mestre Palhinha “A capoeira é antes de tudo luta, e
luta violenta” (abrasoffa.org, 2008).
5. CONCLUSÃO
Como
temos visto a influência da História Cultural da África é muito nítida
na cultura do nosso país. Citamos exemplos de palavras usadas na nossa
língua pátria que vieram dos africanos, também elencamos ingredientes
culinários provenientes do continente vizinho e concluímos citando
algumas manifestações folclóricas brasileiras ligadas à cultura da
África. Conforme vimos então são vários os exemplos que nos permitem
fazer uma tentativa de responder a pergunta inicial do artigo: O que
nossa cultura herdou da África? Muita coisa! Não dá para citarmos um
percentual, mas aquilo que hoje consideramos como Cultura Brasileira,
identidade cultural nacional, ou qualquer conceito do gênero está
definitivamente vinculado à História da África, que nos foi ligada a
partir do momento em que o primeiro escravo africano pisou em solo
tupiniquim. Vale ressaltar, contudo que todas as demais levas de
emigrantes europeus e asiáticos, ajudaram a formar esse mosaico de
culturas diversas que forma uma ampla, complexa e única cultura
nacional.
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