Este é um tema um tanto delicado, pois aborda vários aspectos socais e não somente educacionais, porém, a discussão desta problemática está cada vez mais presente nas pesquisas e debates em educação, objetivando sua compreensão e as melhores formas de intervenção e prevenção. Atualmente, os estudos sobre indisciplina escolar refletem a importância desse tema para os professores na Educação Básica, bem como sua relevância teórica no campo da pesquisa educacional. Entretanto, ainda é restrito o número de pesquisas com o foco aqui proposto. Buscamos um entendimento em trazer um perfil da indisciplina nesta etapa de ensino, ao mesmo tempo em que iniciamos com ele, uma nova reflexão dentro da investigação existente sobre o fenômeno da indisciplina escolar.
A Educação Infantil é o nível educacional que, assim como o Ensino Fundamental e o Ensino Médio é parte integrante da Educação Básica do País, destinado a todas as crianças de zero a cinco anos de idade. No entanto, este nível de ensino nem sempre ocupou um espaço relevante na formação da criança, como nos dias de hoje. Seu surgimento ocorreu lentamente com o alemão Friedrich Froebel (1782-1852, um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas e através de significativas contribuições teóricas e das mudanças políticas e econômicas da época, levantando assim várias teorias pedagógicas até então.
No Brasil e no mundo, a Educação Infantil vem sofrendo transformações significativas nos últimos anos e adquirindo maior relevância na sociedade, na ciência e nas políticas públicas. O objetivo que se encontra nos dias de hoje, é fazer prevalecer uma visão integradora e indissociável entre as ações de cuidar e de educar, ou seja, assistir e educar as crianças fornecendo condições saudáveis e adequadas para seu desenvolvimento cognitivo e social, possibilitando dessa forma, uma formação para a cidadania. Zilma Oliveira explica que:
A educação para a cidadania inclui aprender a tomar a perspectiva do outro – da mãe, do pai, do professor, de outra criança, de quem perdeu a mãe, de quem tem o pai muito doente ou preso na penitenciária – e ter consciência dos direitos e deveres próprios e alheios. (OLIVEIRA, 2010, p. 52).
Dessa forma, se constitui o caráter socializador essencial na etapa de ensino da Educação Infantil e é neste campo de relações sociais e interações entre crianças de mesma idade, de idades próximas e entre elas e os professores que conflitos podem aparecer. Por isso, neste artigo, exploramos o surgimento destes conflitos já neste nível de ensino, investigando, assim, as possíveis manifestações de indisciplina escolar em uma abordagem teórica.
Atualmente, os estudos sobre indisciplina escolar refletem a importância desse tema para os professores na Educação Básica, bem como sua relevância teórica no campo da pesquisa educacional. Por isso, existe uma produção teórica sobre esta questão na escola, uma variedade de investigação no mundo, com diferentes referenciais teóricos em diferentes campos e contextos educacionais.
Indisciplina escolar
A indisciplina escolar é um dos maiores obstrutores do processo de
aprendizagem e suas manifestações são marcadas por uma variedade de
causas, tipos e entendimentos diferentes, fazendo deste tema uma das
questões mais intrigantes do âmbito social e educacional da atualidade. A
discussão desta problemática está cada vez mais presente nas pesquisas e
debates em Educação, objetivando sua compreensão e as melhores formas
de intervenção e prevenção. Como afirma Vergés (2003, p. 17), “há muito a
indisciplina deixou de ser um evento esporádico e particular no
cotidiano das escolas brasileiras, tendo se tornado um dos maiores
obstáculos pedagógicos nos dias atuais”.
Uma das razões deste ser um tema tão intrigante é devida a sua
complexidade conceitual, ou seja, a sua vasta conceituação e as suas
diferentes concepções e formas de manifestação. Garcia (1999, p. 102) já
afirmava, “o conceito de indisciplina apresenta uma complexidade a ser
considerada.” E é pelo fato da indisciplina não pertencer apenas a um
contexto determinado que seu conceito está sujeito a diferentes
interpretações e a uma variedade de causas e significados.
O entendimento da indisciplina está conectado com o contexto histórico
social, no sentido de ser influenciado pela concepção do que é criança,
do que é disciplina e do que é educação na época do estudo. Seu
entendimento também está relacionado com o espaço, o local onde o
fenômeno ocorre, além de ser visto de maneiras distintas de acordo com a
faixa etária dos alunos que apresentam, a diversidade social, também
varia de acordo com a concepção pedagógica de cada escola, de cada
professor e de cada estudioso que interprete o tema.
De La Taille (1996, p. 10) relaciona o conceito de indisciplina com a
revolta contra estas regras impostas em sala de aula e, traduz este
fenômeno por uma forma de desobediência insolente ou pelo caos dos
comportamentos ou, até mesmo, pela desorganização das relações da
criança com o ambiente social e escolar. Dessa maneira, vemos a
indisciplina como a quebra das regras que estruturam uma relação social,
desordenando-a, assim. A partir disso, podemos entender que
indisciplina vem a ser a ausência, a negação e/ou a contestação da
disciplina imposta ou almejada na escola, desordenando as relações
sociais e, até mesmo, as pedagógicas.
Assim, uma das maneiras de compreendê-la em sua totalidade é através da
análise das relações sociais em que ela acontece. Como afirma Estrela
(1992, p. 14), a indisciplina na escola só adquire significado dentro do
processo pedagógico em curso e só pode ser compreendida em relação às
funções que as suas manifestações desempenham dentro desse processo. O
que Estrela tenta argumentar é que a manifestação da indisciplina pode
ser compreendida de acordo com o contexto sócio-histórico-educacional e
dependendo da relação pedagógica que se dá neste contexto. Por isso,
vale ressaltar a importância de contextualizar para melhor compreender o
fenômeno que aparece sempre em um contexto de relações. Sob estas
perspectivas, tentamos compreender as manifestações do fenômeno da
indisciplina na primeira etapa da Educação Básica.
A indisciplina na Educação Infantil
É na etapa da Educação Infantil que a criança estende suas relações
sociais e adquire as primeiras noções de convivência com o coletivo. É
nesta fase também que a criança começa a desenvolver noções de valores,
de justiça e de moralidade, e a aprimorar seu desenvolvimento
intelectual, motor e cognitivo. Nesta primeira etapa da Educação Básica,
onde as crianças estão no início de seu desenvolvimento social, as
noções de disciplina já começam a ser expostas e os atos de indisciplina
já começam a aparecer.
A indisciplina na etapa da Educação Infantil é manifestada de formas bem
particulares e diferentes das que ocorrem em idades mais avançadas. No
entanto, ao contrário do que alguns possam pensar, ela já existe desde
que a criança entra na escola e vira uma das maiores preocupações dos
professores desta etapa, que estão focados na estimulação do
desenvolvimento da criança como um todo e na educação para a cidadania.
“Algumas crianças desde que começam a freqüentar a escola, já demonstram
algum tipo de indisciplina”. Então caberia ao professor desta etapa
criar possibilidades da criança se desenvolver para a vida em sociedade,
independente do histórico familiar de cada uma delas”. Vergés (2003, p.
19)
Assim como em qualquer outro lugar, o espaço da Educação Infantil também
apresenta diferentes expressões de indisciplina e que só serão
entendidas se analisarmos o contexto em que elas ocorrem. Os
entendimentos sobre a indisciplina, segundo Vergés (2003, p. 31) variam,
pois dependem da vivencia familiar de cada criança, dos costumes, da
crença e da cultura em que a criança está inserida, assim como podem
depender dos traços de personalidade de cada uma, das fases do
desenvolvimento em que está passando e, até mesmo, da influência do
professor, da escola e da metodologia de ensino utilizada. Há,
realmente, uma variedade de causas e sentidos por trás das expressões de
indisciplina escolar e, identificá-las é o primeiro passo para
inibi-las.
Assim, é importante identificar o que envolve um ato de indisciplina
para melhor compreendê-lo e defini-lo, destacando se sua manifestação se
trata de uma questão pessoal da criança, familiar, relacional ou
escolar. Vergés e Sana (2009, p. 35) sugerem:
O que devemos entender é que nenhum aluno nasce indisciplinado; ele se
torna indisciplinado em determinadas situações, dependendo do sentido da
indisciplina para ele naquele momento, com vários fatores que possam
levá-lo a agir dessa forma.
Na Educação Infantil, de uma maneira geral, os atos indisciplinados
envolvem a intolerância à frustração, a necessidade de atenção, o
egocentrismo – ainda característico da faixa etária em que se encontram,
o desinteresse pela aula, a exclusão do diferente, a falta de limites
definidos e a falta de orientação e consistência no ambiente familiar da
criança. (ESTRELA, 1992; PARRAT-DAYAN, 2008; DEVRIES; ZAN, 1998;
VERGÉS; SANA, 2009). Outro aspecto comumente envolvido nas expressões de
indisciplina, nesta fase, se refere ao desenvolvimento do esquema
corporal que em algumas crianças ainda não está completo, assim, ainda
apresentam um comportamento expansivo devido à falta de coordenação
motora fina, principalmente. Nestes casos, as crianças são identificadas
como “estabanadas”, pisam no pé das outras, gostam de brincar de luta,
demandando contato físico, atingem os outros com peças de jogos, abraçam
com força, podendo machucar o colega e podem, até mesmo, ser
identificadas como agressivas.
Nos outros casos, as manifestações de indisciplina exprimem uma espécie
de descontentamento, que como já citamos, pode ser de ordem familiar,
pessoal, relacional ou escolar, revelado como desinteresse, desatenção,
resistência, desrespeito e falta de empatia. Dessa forma, percebemos que
não é apenas o contexto familiar ou pessoal que determina a ocorrência
dos atos de indisciplina em sala de aula, como também, a própria sala de
aula, o professor, a metodologia de ensino e a relação pedagógica podem
desencadear a indisciplina escolar. Segundo Vergés (2003, p. 33),
quando a aula não está interessante e atraente para as crianças, elas
perdem o interesse ou ficam desmotivadas, o que as leva agir de forma
indisciplinada para demonstrar que estão descontentes com alguma coisa.
As expressões deste “descontentamento” que envolvem os atos de
indisciplina nas crianças da Educação Infantil podem ser caracterizadas
por morder, beliscar ou bater no colega, brincar de luta, destruir o
material escolar, conversar enquanto a professora ou outro colega está
falando, apresentar um comportamento desafiador, fazendo caretas ou
respondendo mal à professora e não fazer a atividade proposta em sala de
aula, se recusando ou resistindo a participar.
É válido destacar que a agitação motora é uma característica inerente ao
comportamento das crianças nesta faixa de idade que precisam brincar,
se movimentar e criar para extravasar a energia. Sendo assim, o silêncio
absoluto não pode ser considerado uma característica fundamental e
saudável nesta etapa de ensino. No momento das atividades ou dos
cantinhos da leitura, por exemplo, as crianças se concentram por um
determinado tempo (10 a 20 minutos, no máximo, dependendo da faixa de
idade do grupo), mantendo a sala de aula mais silenciosa, já em outros
momentos, a movimentação e o barulho pode ser esperado. Neste sentido,
Vergés (2003, p. 32) afirma que:
A criança que questiona, pergunta e se movimenta em sala de aula, não
pode ser considerada indisciplinada, porque na construção do
conhecimento, a criança precisa buscar as alternativas para encontrar o
melhor caminho para aprender. Agora, aquele aluno que não tem limites,
não respeita a opinião e os sentimentos dos colegas, esse sim, é um
aluno que pode ser considerado indisciplinado.
Os momentos de brincadeiras e jogos, no parquinho ou em sala de aula
constituem, facilmente, um campo de observação das manifestações de
indisciplina, pois expressões de intolerância à frustração e desrespeito
as regras do jogo são comuns nestes ambientes na Educação Infantil,
onde as crianças ainda estão desenvolvendo suas noções de moralidade. As
crianças que não tem limites estabelecidos e não respeitam os colegas, a
professora e as regras, na hora dos jogos e brincadeiras, elas
freqüentemente apresentam comportamentos indisciplinados. Cabe a escola e
ao professor transmitir os valores e promover a aprendizagem das regras
de convivência social, a autoregulagem e a autodisciplina.
A competição que emerge nos jogos, pode levar à ocorrência de conflitos
interpessoais, de desrespeito aos colegas e às regras do jogo, trapaça e
até mesmo, agressividade, com a finalidade de vencer o jogo. Esta
demonstração de intolerância à frustração que envolve o ato
indisciplinado implica, entre outros fatores, a relação que a criança
tem com as regras, ou seja, a não relação que a criança tem desenvolvida
com a moral.
A indisciplina manifestada nesses momentos, além de perturbar o ambiente
e as relações em sala de aula, prejudica o desenvolvimento e o processo
de aprendizagem da própria criança. Em sua pesquisa de mestrado, Luna
(2008, p. 111) encontrou que “a indisciplina também promove prejuízo
relacional na Educação Infantil” e indica que, em situações de jogo, a
criança indisciplinada não consegue realizar as coordenações necessárias
para resolver os problemas e desafios de um jogo ou de uma tarefa, pois
está dispersa e apresenta dificuldade para raciocinar, antecipar ou
prestar atenção, além de desrespeitar colegas e professores. A
indisciplina manifestada pela criança nos jogos e brincadeiras traz
prejuízos para ela mesma.
Estas crianças demandam maior atenção e estímulo para que possa se
desenvolver moralmente e, conseqüentemente, socialmente. O campo de
relações sociais que a Educação Infantil propicia, nas situações de
jogos, atividades, brincadeiras, lanche e higiene, recreio ou educação
física, constitui o ambiente que a criança necessita para desenvolver
todas as suas competências e aprender a conviver com o coletivo. Parte
deste desenvolvimento global infantil está o desenvolvimento moral, que
envolve o processo de conscientização das regras na criança e que,
progressivamente, conduz as crianças à autonomia e à autodisciplina,
fazendo com que as manifestações de indisciplina se tornem cada vez mais
improváveis.
Este fenômeno da indisciplina escolar só encontra sentido e significado
dentro de um contexto de relações sociais, pois é nesta interação que
suas manifestações podem aparecer. Estudar este contexto de relações na
Educação Infantil, pode nos auxiliar na busca da compreensão do fenômeno
da indisciplina, percebendo seus sentidos e interpretações nas crianças
pequenas.
A reflexão sobre o tema deve ser de preocupação intermitente, pois,
assim como vemos que a indisciplina está ligada na maioria das vezes com
contextos sociais e familiares, cabe ao educador ser o mediador destes
conflitos utilizando competências e habilidades para tal, porém nunca se
esquecendo de que se trata de crianças e cada criança é um ser
especial.
Texto > Prof. Marcos L Souza
Marcos Leonardo de Souza é Educador e Escritor. Licenciado em Pedagogia, História e Música, com Pós-Graduação Lato Senso em Psicopedagogia, Alfabetização e Letramento, Educação Lúdica, Educação Musical, Educação Infantil, atuando nas áreas de consultoria, assessoria pedagógica, treinamentos, oficinas e palestras. Mestre em Educação .
Este é um tema um tanto delicado, pois aborda vários aspectos socais e não somente educacionais, porém, a discussão desta problemática está cada vez mais presente nas pesquisas e debates em educação, objetivando sua compreensão e as melhores formas de intervenção e prevenção. Atualmente, os estudos sobre indisciplina escolar refletem a importância desse tema para os professores na Educação Básica, bem como sua relevância teórica no campo da pesquisa educacional. Entretanto, ainda é restrito o número de pesquisas com o foco aqui proposto. Buscamos um entendimento em trazer um perfil da indisciplina nesta etapa de ensino, ao mesmo tempo em que iniciamos com ele, uma nova reflexão dentro da investigação existente sobre o fenômeno da indisciplina escolar.
A Educação Infantil é o nível educacional que, assim como o Ensino Fundamental e o Ensino Médio é parte integrante da Educação Básica do País, destinado a todas as crianças de zero a cinco anos de idade. No entanto, este nível de ensino nem sempre ocupou um espaço relevante na formação da criança, como nos dias de hoje. Seu surgimento ocorreu lentamente com o alemão Friedrich Froebel (1782-1852, um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas e através de significativas contribuições teóricas e das mudanças políticas e econômicas da época, levantando assim várias teorias pedagógicas até então.
No Brasil e no mundo, a Educação Infantil vem sofrendo transformações significativas nos últimos anos e adquirindo maior relevância na sociedade, na ciência e nas políticas públicas. O objetivo que se encontra nos dias de hoje, é fazer prevalecer uma visão integradora e indissociável entre as ações de cuidar e de educar, ou seja, assistir e educar as crianças fornecendo condições saudáveis e adequadas para seu desenvolvimento cognitivo e social, possibilitando dessa forma, uma formação para a cidadania. Zilma Oliveira explica que:
A educação para a cidadania inclui aprender a tomar a perspectiva do outro – da mãe, do pai, do professor, de outra criança, de quem perdeu a mãe, de quem tem o pai muito doente ou preso na penitenciária – e ter consciência dos direitos e deveres próprios e alheios. (OLIVEIRA, 2010, p. 52).
Dessa forma, se constitui o caráter socializador essencial na etapa de ensino da Educação Infantil e é neste campo de relações sociais e interações entre crianças de mesma idade, de idades próximas e entre elas e os professores que conflitos podem aparecer. Por isso, neste artigo, exploramos o surgimento destes conflitos já neste nível de ensino, investigando, assim, as possíveis manifestações de indisciplina escolar em uma abordagem teórica.
Atualmente, os estudos sobre indisciplina escolar refletem a importância desse tema para os professores na Educação Básica, bem como sua relevância teórica no campo da pesquisa educacional. Por isso, existe uma produção teórica sobre esta questão na escola, uma variedade de investigação no mundo, com diferentes referenciais teóricos em diferentes campos e contextos educacionais.
Indisciplina escolar
A indisciplina escolar é um dos maiores obstrutores do processo de
aprendizagem e suas manifestações são marcadas por uma variedade de
causas, tipos e entendimentos diferentes, fazendo deste tema uma das
questões mais intrigantes do âmbito social e educacional da atualidade. A
discussão desta problemática está cada vez mais presente nas pesquisas e
debates em Educação, objetivando sua compreensão e as melhores formas
de intervenção e prevenção. Como afirma Vergés (2003, p. 17), “há muito a
indisciplina deixou de ser um evento esporádico e particular no
cotidiano das escolas brasileiras, tendo se tornado um dos maiores
obstáculos pedagógicos nos dias atuais”.
Uma das razões deste ser um tema tão intrigante é devida a sua
complexidade conceitual, ou seja, a sua vasta conceituação e as suas
diferentes concepções e formas de manifestação. Garcia (1999, p. 102) já
afirmava, “o conceito de indisciplina apresenta uma complexidade a ser
considerada.” E é pelo fato da indisciplina não pertencer apenas a um
contexto determinado que seu conceito está sujeito a diferentes
interpretações e a uma variedade de causas e significados.
O entendimento da indisciplina está conectado com o contexto histórico
social, no sentido de ser influenciado pela concepção do que é criança,
do que é disciplina e do que é educação na época do estudo. Seu
entendimento também está relacionado com o espaço, o local onde o
fenômeno ocorre, além de ser visto de maneiras distintas de acordo com a
faixa etária dos alunos que apresentam, a diversidade social, também
varia de acordo com a concepção pedagógica de cada escola, de cada
professor e de cada estudioso que interprete o tema.
De La Taille (1996, p. 10) relaciona o conceito de indisciplina com a
revolta contra estas regras impostas em sala de aula e, traduz este
fenômeno por uma forma de desobediência insolente ou pelo caos dos
comportamentos ou, até mesmo, pela desorganização das relações da
criança com o ambiente social e escolar. Dessa maneira, vemos a
indisciplina como a quebra das regras que estruturam uma relação social,
desordenando-a, assim. A partir disso, podemos entender que
indisciplina vem a ser a ausência, a negação e/ou a contestação da
disciplina imposta ou almejada na escola, desordenando as relações
sociais e, até mesmo, as pedagógicas.
Assim, uma das maneiras de compreendê-la em sua totalidade é através da
análise das relações sociais em que ela acontece. Como afirma Estrela
(1992, p. 14), a indisciplina na escola só adquire significado dentro do
processo pedagógico em curso e só pode ser compreendida em relação às
funções que as suas manifestações desempenham dentro desse processo. O
que Estrela tenta argumentar é que a manifestação da indisciplina pode
ser compreendida de acordo com o contexto sócio-histórico-educacional e
dependendo da relação pedagógica que se dá neste contexto. Por isso,
vale ressaltar a importância de contextualizar para melhor compreender o
fenômeno que aparece sempre em um contexto de relações. Sob estas
perspectivas, tentamos compreender as manifestações do fenômeno da
indisciplina na primeira etapa da Educação Básica.
A indisciplina na Educação Infantil
É na etapa da Educação Infantil que a criança estende suas relações
sociais e adquire as primeiras noções de convivência com o coletivo. É
nesta fase também que a criança começa a desenvolver noções de valores,
de justiça e de moralidade, e a aprimorar seu desenvolvimento
intelectual, motor e cognitivo. Nesta primeira etapa da Educação Básica,
onde as crianças estão no início de seu desenvolvimento social, as
noções de disciplina já começam a ser expostas e os atos de indisciplina
já começam a aparecer.
A indisciplina na etapa da Educação Infantil é manifestada de formas bem
particulares e diferentes das que ocorrem em idades mais avançadas. No
entanto, ao contrário do que alguns possam pensar, ela já existe desde
que a criança entra na escola e vira uma das maiores preocupações dos
professores desta etapa, que estão focados na estimulação do
desenvolvimento da criança como um todo e na educação para a cidadania.
“Algumas crianças desde que começam a freqüentar a escola, já demonstram
algum tipo de indisciplina”. Então caberia ao professor desta etapa
criar possibilidades da criança se desenvolver para a vida em sociedade,
independente do histórico familiar de cada uma delas”. Vergés (2003, p.
19)
Assim como em qualquer outro lugar, o espaço da Educação Infantil também
apresenta diferentes expressões de indisciplina e que só serão
entendidas se analisarmos o contexto em que elas ocorrem. Os
entendimentos sobre a indisciplina, segundo Vergés (2003, p. 31) variam,
pois dependem da vivencia familiar de cada criança, dos costumes, da
crença e da cultura em que a criança está inserida, assim como podem
depender dos traços de personalidade de cada uma, das fases do
desenvolvimento em que está passando e, até mesmo, da influência do
professor, da escola e da metodologia de ensino utilizada. Há,
realmente, uma variedade de causas e sentidos por trás das expressões de
indisciplina escolar e, identificá-las é o primeiro passo para
inibi-las.
Assim, é importante identificar o que envolve um ato de indisciplina
para melhor compreendê-lo e defini-lo, destacando se sua manifestação se
trata de uma questão pessoal da criança, familiar, relacional ou
escolar. Vergés e Sana (2009, p. 35) sugerem:
O que devemos entender é que nenhum aluno nasce indisciplinado; ele se
torna indisciplinado em determinadas situações, dependendo do sentido da
indisciplina para ele naquele momento, com vários fatores que possam
levá-lo a agir dessa forma.
Na Educação Infantil, de uma maneira geral, os atos indisciplinados
envolvem a intolerância à frustração, a necessidade de atenção, o
egocentrismo – ainda característico da faixa etária em que se encontram,
o desinteresse pela aula, a exclusão do diferente, a falta de limites
definidos e a falta de orientação e consistência no ambiente familiar da
criança. (ESTRELA, 1992; PARRAT-DAYAN, 2008; DEVRIES; ZAN, 1998;
VERGÉS; SANA, 2009). Outro aspecto comumente envolvido nas expressões de
indisciplina, nesta fase, se refere ao desenvolvimento do esquema
corporal que em algumas crianças ainda não está completo, assim, ainda
apresentam um comportamento expansivo devido à falta de coordenação
motora fina, principalmente. Nestes casos, as crianças são identificadas
como “estabanadas”, pisam no pé das outras, gostam de brincar de luta,
demandando contato físico, atingem os outros com peças de jogos, abraçam
com força, podendo machucar o colega e podem, até mesmo, ser
identificadas como agressivas.
Nos outros casos, as manifestações de indisciplina exprimem uma espécie
de descontentamento, que como já citamos, pode ser de ordem familiar,
pessoal, relacional ou escolar, revelado como desinteresse, desatenção,
resistência, desrespeito e falta de empatia. Dessa forma, percebemos que
não é apenas o contexto familiar ou pessoal que determina a ocorrência
dos atos de indisciplina em sala de aula, como também, a própria sala de
aula, o professor, a metodologia de ensino e a relação pedagógica podem
desencadear a indisciplina escolar. Segundo Vergés (2003, p. 33),
quando a aula não está interessante e atraente para as crianças, elas
perdem o interesse ou ficam desmotivadas, o que as leva agir de forma
indisciplinada para demonstrar que estão descontentes com alguma coisa.
As expressões deste “descontentamento” que envolvem os atos de
indisciplina nas crianças da Educação Infantil podem ser caracterizadas
por morder, beliscar ou bater no colega, brincar de luta, destruir o
material escolar, conversar enquanto a professora ou outro colega está
falando, apresentar um comportamento desafiador, fazendo caretas ou
respondendo mal à professora e não fazer a atividade proposta em sala de
aula, se recusando ou resistindo a participar.
É válido destacar que a agitação motora é uma característica inerente ao
comportamento das crianças nesta faixa de idade que precisam brincar,
se movimentar e criar para extravasar a energia. Sendo assim, o silêncio
absoluto não pode ser considerado uma característica fundamental e
saudável nesta etapa de ensino. No momento das atividades ou dos
cantinhos da leitura, por exemplo, as crianças se concentram por um
determinado tempo (10 a 20 minutos, no máximo, dependendo da faixa de
idade do grupo), mantendo a sala de aula mais silenciosa, já em outros
momentos, a movimentação e o barulho pode ser esperado. Neste sentido,
Vergés (2003, p. 32) afirma que:
A criança que questiona, pergunta e se movimenta em sala de aula, não
pode ser considerada indisciplinada, porque na construção do
conhecimento, a criança precisa buscar as alternativas para encontrar o
melhor caminho para aprender. Agora, aquele aluno que não tem limites,
não respeita a opinião e os sentimentos dos colegas, esse sim, é um
aluno que pode ser considerado indisciplinado.
Os momentos de brincadeiras e jogos, no parquinho ou em sala de aula
constituem, facilmente, um campo de observação das manifestações de
indisciplina, pois expressões de intolerância à frustração e desrespeito
as regras do jogo são comuns nestes ambientes na Educação Infantil,
onde as crianças ainda estão desenvolvendo suas noções de moralidade. As
crianças que não tem limites estabelecidos e não respeitam os colegas, a
professora e as regras, na hora dos jogos e brincadeiras, elas
freqüentemente apresentam comportamentos indisciplinados. Cabe a escola e
ao professor transmitir os valores e promover a aprendizagem das regras
de convivência social, a autoregulagem e a autodisciplina.
A competição que emerge nos jogos, pode levar à ocorrência de conflitos
interpessoais, de desrespeito aos colegas e às regras do jogo, trapaça e
até mesmo, agressividade, com a finalidade de vencer o jogo. Esta
demonstração de intolerância à frustração que envolve o ato
indisciplinado implica, entre outros fatores, a relação que a criança
tem com as regras, ou seja, a não relação que a criança tem desenvolvida
com a moral.
A indisciplina manifestada nesses momentos, além de perturbar o ambiente
e as relações em sala de aula, prejudica o desenvolvimento e o processo
de aprendizagem da própria criança. Em sua pesquisa de mestrado, Luna
(2008, p. 111) encontrou que “a indisciplina também promove prejuízo
relacional na Educação Infantil” e indica que, em situações de jogo, a
criança indisciplinada não consegue realizar as coordenações necessárias
para resolver os problemas e desafios de um jogo ou de uma tarefa, pois
está dispersa e apresenta dificuldade para raciocinar, antecipar ou
prestar atenção, além de desrespeitar colegas e professores. A
indisciplina manifestada pela criança nos jogos e brincadeiras traz
prejuízos para ela mesma.
Estas crianças demandam maior atenção e estímulo para que possa se
desenvolver moralmente e, conseqüentemente, socialmente. O campo de
relações sociais que a Educação Infantil propicia, nas situações de
jogos, atividades, brincadeiras, lanche e higiene, recreio ou educação
física, constitui o ambiente que a criança necessita para desenvolver
todas as suas competências e aprender a conviver com o coletivo. Parte
deste desenvolvimento global infantil está o desenvolvimento moral, que
envolve o processo de conscientização das regras na criança e que,
progressivamente, conduz as crianças à autonomia e à autodisciplina,
fazendo com que as manifestações de indisciplina se tornem cada vez mais
improváveis.
Este fenômeno da indisciplina escolar só encontra sentido e significado
dentro de um contexto de relações sociais, pois é nesta interação que
suas manifestações podem aparecer. Estudar este contexto de relações na
Educação Infantil, pode nos auxiliar na busca da compreensão do fenômeno
da indisciplina, percebendo seus sentidos e interpretações nas crianças
pequenas.
A reflexão sobre o tema deve ser de preocupação intermitente, pois,
assim como vemos que a indisciplina está ligada na maioria das vezes com
contextos sociais e familiares, cabe ao educador ser o mediador destes
conflitos utilizando competências e habilidades para tal, porém nunca se
esquecendo de que se trata de crianças e cada criança é um ser
especial.
Texto > Prof. Marcos L Souza
Marcos Leonardo de Souza é Educador e Escritor. Licenciado em Pedagogia, História e Música, com Pós-Graduação Lato Senso em Psicopedagogia, Alfabetização e Letramento, Educação Lúdica, Educação Musical, Educação Infantil, atuando nas áreas de consultoria, assessoria pedagógica, treinamentos, oficinas e palestras. Mestre em Educação .
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